De acordo com o jornal expreeso das ilhas, Altas patentes das Forças Armadas Mostram o descontentamento em relaçao as FA de Cabo Verde.
Algumas perguntas foram formuladas para a Ex Major na reforma
Adriano Pires - Antes de responder à questão que me formula devo, a título de prevenção, dizer que ela é susceptível de conduzir o interrogado a uma resposta passível de provocar reacções díspares, fundamentalmente no seio daqueles cuja história de Cabo Verde deve coincidir-se sempre com a sua história pessoal, não aceitando interrogações, dúvidas ou pedidos de esclarecimentos, muito menos reparos em relação às suas verdades e convicções, ainda que enunciados como simples hipótese de trabalho. Aliás, importa não se perder nunca de vista que esta postura a cheirar a infalibilidade de matriz absolutista, não se restringe a nenhum grupo social ou alguém em particular. Abrange a cultura política e idiossincrásica de toda a sociedade politiqueira cabo-verdiana nos dias que correm. Pois, trata-se da disposição de cada cabo-verdiano em particular para sentir, de modo especial e privativo dele, a política, seus agentes e suas verdades. Ou seja, visão estritamente militante que cria dificuldades em admitir os outros como sujeitos determinantes da sociedade. Isto é, como sujeitos diferentes e semelhantes ao mesmo tempo: semelhantes, porque (e não apesar de) diferentes. Como havia teorizado Amílcar Cabral a respeito da Unidade dos povos. Daí, a existência no seu seio de fulanos de entendimento curto, incultos, lerdos, sem faculdade de discernimento, e quantas vezes imbecis, que se envolvem na política hipotecando-se a nobreza desta.
Não corre o risco de ser mal entendido?
É uma hipótese a não se pôr de lado, tomando como correcta o que atrás ficou dito. Porém, creio não ter dito (até aqui) nenhuma barbaridade, acreditando naquilo que tem sido a convivência política entre as pessoas na sociedade cabo-verdiana. Até porque, a pergunta que me é formulada é muito complexa. Como tal, requer resposta complexa. Trata-se de uma questão que merece ser analisada por gente competente, não se limitando a conjecturas e convicções de ordem pessoal, vindas de indivíduos nem sempre abalizados para o fazer, como pode ser o caso. Estou a referir-me a antropólogos, sociólogos, politólogos, e porque não, jurisperitos. Quem sabe, em tese de mestrado. Pois, trata-se de uma questão problemática cuja melhor resposta só pode ser encontrada, estudando o conceito dos tempos sociais, das suas construções, percepções e utilizações através das memórias colectivas e das experiências quotidianas das sociedades.
Como nos ensina a antropologia, a estruturação da época não é um dado da natureza, mas uma construção social e cultural intimamente ligada aos feitos de uma comunidade num determinado período.
Portanto a data marcada como dia das F. A (s) está correcta.
Nada tenho contra a data em si. Acho inclusivamente que o 15 de Janeiro é um marco simbólico importante. Até porque não é isso que está em causa. Realmente o dia 15 de Janeiro foi consagrado como dia das Forças Armadas de Cabo Verde nos termos de um Decreto-Lei do Estado de Cabo Verde, solenizada anualmente com o devido relevo em todas as suas estruturas. Sendo assim, e porque Cabo Verde é hoje um Estado de direito, ela deve continuar a ser respeitada e celebrada - pelos militares - com as honras que lhe são devidas, enquanto o Decreto que a institucionalizou não for derrogado por um outro Decreto. Alias, questão elementar que deve nortear qualquer Estado de direito como o nosso. Por outro lado, assim como acontece com todas as outras forças armadas, faz todo o sentido que as de Cabo Verde tenham o seu marco, geralmente utilizado como um dia de exaltação dos mártires e heróis nacionais, reforçando o sentido patriótico dos seus efectivos, fundamentalmente os jovens que anualmente entram para as suas fileiras no âmbito do cumprimento do Serviço Militar Obrigatório. Verdade seja dita, não se regista na história dos povos, exército que não viva dos seus mártires, dos seus mitos, das suas glórias, das suas histórias, das suas lendas e das suas tradições. E Cabo Verde não pode ter a pretensão de ser uma excepção naquilo que é consensual a nível planetário, sob pena de não ser respeitado - no concerto das nações soberanas - como Estado.
Quer dizer que faz sentido comemorar este ano o 44º Aniversário de umas Forças Armadas cujo Estado tem apenas 35 anos?
Não é uma questão de concordar nem de discordar. Como ficou subentendida nas respostas anteriores, está-se perante um facto de natureza legal, aplaudido por uns e contestado por outros.
"Estado proclamado a 5 de Julho de 1975, cujo exército data de 15 de Janeiro de 1967"
Assim sendo, o que se deve examinar neste momento é a coerência política e antropológica de uma data tornada oficial através de um Decreto-lei. É ali que reside o cerne da questão inicialmente formulada: um marco que devia ser consensual, todavia, criticado por uns, apoiado por outros. Ou seja, o ponto que tem vindo a provocar discordância na sociedade cabo-verdiana. Isto é, um Estado proclamado a 5 de Julho de 1975, cujo exército data de 15 de Janeiro de 1967.
Faz sentido, uma vez que a essência de qualquer exército só tem razão de ser quando ligado ao Estado.
Tenho as minhas reservas quanto a esse facto indesmentível. Na verdade, reza a história que o 15 de Janeiro de 1967 foi a data que um grupo formado por trinta cabo-verdianos - filiados no PAIGC - prestou juramente de fidelidade - em Cuba - perante Amílcar Cabral, comprometendo-se a fazer tudo para que Cabo Verde fosse libertado do jugo colonial. Portanto, tomando como certa o princípio de que ninguém põe em causa a existência de uma data a ser comemorada como dia das Forças Armadas de Cabo Verde, a interrogação que se deve fazer neste momento é se as actuais Forças Armadas de Cabo Verde nasceram a 15 de Janeiro de 1967, perfazendo este ano, 44º aniversário. Ou se a data da sua criação deve coincidir com a idade do Estado soberano de Cabo Verde, proclamado a 5 de Julho de 1975? Nestes termos, de um ponto de vista muito pessoal, acho que o 15 de Janeiro deve continuar como dia - simbólico - de baptismo das Forças Armadas de Cabo Verde, não dia da criação das Forças Armadas de Cabo Verde.
Qualquer exército só tem razão de ser quando ligado ao Estado. Qual a relação entre o exército de libertação nacional (FARP) e a criação do Estado de Cabo Verde?
Sem dúvida. Não obstante os seus laços de parentesco, a Constituição de 1992 erigiu um marco importante entre as FARP e as F. A (s) de Cabo Verde. Ou seja, de "braço armado de um partido único" ao serviço de interesses conjunturais, a Constituição de 1992 criou as condições legais e objectivas com vista à sua transformação radical num instrumento de relevância nacional, ao serviço do Estado de Cabo Verde e de mais ninguém. Infelizmente, passados estes anos todos, pouco foi mudado na sua essência. Os resquícios do regime anterior mantêm-se vivos no seu seio, por culpa de alguns dos seus ilustres membros. Se por desconhecimento ou se intencionalmente, não sei. Só sei que arriscadamente a estrutura militar cabo-verdiana é utilizada hoje como "instrumento de propaganda política e de aferição de resultados da governação", por parte da Ministra da Defesa, não se coibindo, inclusive, de apelidar oficial superior reformado de "pau-mandado" da oposição, com base na intriga política quiçá formulada pelos seus distintos conselheiros militares. Aliás, fica a sensação de que se está a confundir a proibição de estruturas partidárias no seio das forças armadas com a despolitização efectiva das Forças Armadas.
Que Forças Armadas temos hoje?
Umas Forças Armadas altamente politizadas, debilitadas em termos de recursos humanos a nível da sua Direcção, desajustadas às necessidades e à realidade presente de Cabo Verde, e sobretudo confusas no que tange às suas verdadeiras missões. Ou seja, o País não dispõe neste momento das Forças Armadas de que necessita. Talvez, por teimosia, capricho, vaidade e projecto de poder político pessoal de alguns dos seus eminentes membros. O que não deixa de ser preocupante.
Como funcionam as FA enquanto órgão do Poder do Estado?
Com base no que a Constituição prevê: subordinadas ao poder político democraticamente constituído, a quem obedece nos termos da lei, materializando aquilo que o Estado estipula para as suas Forças Armadas. Despolitizadas e apartidárias, apesar da sua dependência política, não hierárquica, do Ministério da Defesa.
Como se tem processado até agora a nomeação dos CEMFA?
É descabido falar-se de processo de nomeação do CEMFA em Cabo Verde. Não existe processo algum para o efeito. Ou seja, procedimento que pressupõe o amadurecimento com base numa lista formada por legítimos candidatos que posteriormente desembocaria na nomeação de um dos seus oficiais superiores mais capaz e mais bem posicionado na hierarquia. Infelizmente.
Nomeação do CEMFA obedece apenas ao critério político ?
Para dizer que a nomeação do CEMFA em Cabo Verde é feita nas costas das Forças Armadas de Cabo Verde. Perigosamente ela tem sido feita com base num único critério: o político, provando o quão fictício é a sua efectiva despolitização. Justiça seja feita. Importa sublinhar que isto não acontece por culpa do poder político instalado. Acontece, acima de tudo, por culpa dos conselheiros militares que o poder político vem escolhendo. Afinal, os grandes interessados para que assim fosse. E quando assim é, qual poder político que se preze que não diria: bem-haja. Com efeito, urge a necessidade de uma profunda revisão dos Estatutos militares de forma a extirpa-las de todos os resquícios que configuram umas Forças Armadas de um sistema antidemocrático, permitindo que os seus principais Chefes nasçam através de um processo militar natural onde o mérito, a disciplina, a honra e o sentido de responsabilidade se sobressaem, em vez de colocados nos cargos com base em critério político. Procedimento universal que evitará também que o Estado-Maior das Forças Armadas fosse formada com amigos do Sr. Chefe do Estado-Maior, em detrimento dos restantes quadros das forças armadas.
As Forças Armadas foram chamadas para apoiar a Polícia Nacional no combate a grupos armados. Estão os nossos soldados preparados para actuação militar nas cidades?
Não acredito que estejam preparados para o feito. Para quem é militar sabe que actuar militarmente numa cidade é espinhosa e muito mais complicada que actuar num campo de batalha convencional. Exige formação especializada e muito treino. Não se crê que o pessoal do SMO (Serviço Militar Obrigatório) que anda nas ruas das cidades do país esteja preparado para isso. Tanto assim é que os resultados estão à vista de todos: mais insegurança, mais assaltos nas ruas, mais pânico e mais violência gratuita. Até porque, não se podia esperar mais, se a própria formação do soldado deixa muito a desejar hoje nas F.A (s) de Cabo Verde. Por outro lado, a decisão de pôr os soldados a fazer ordem pública é acima de tudo de ordem política. E na política o que interessa são as aparências.
De resto, critica-se que as FA têm um grande vazio em termos de legislação e que as leis da defesa do Estado de direito democrático ficaram nos anos 90. Porquê é que esta situação ainda subsiste?
Não acredito que as Forças Armadas carecem de leis. O que se constata é que muitas delas, como, por exemplo, o Estatuto dos Militares, precisa ser libertada de preceitos afixados com vista a beneficiar determinadas figuras da Corporação à custa da maioria dos seus membros. Um documento feito com ligeireza com vista a dar corpo a um projecto de ambição militar pessoal, fazendo com que a carreira dos seus restantes membros ficasse condicionada pelo verídico de alguém, não do Estatuto Militar em si. O que não teve seguimento é o projecto de reforma iniciado em 1992. Esse sim. Como já foi dito várias vezes, foi hipotecado. Ou seja, foi substituído imprudentemente por um do tipo àquele escrito na água.
Como entende a ausência massiva dos jovens no cumprimento do serviço militar obrigatório que é uma das exigências constitucionais. O que é que não bate certo?
Acreditando no que é veiculado pelo Ministério da Defesa e o Estado-Maior, respectivamente, só pode ser fruto da reforma que vêm implementando nas Forças Armadas nos últimos tempos. Ou seja, resultado do projecto que vêm implementando à Instituição Militar cabo-verdiana. Aliás, o que mais preocupa não é só isso. O que mais preocupa é ouvir das entidades oficiais que 30% dos chamados THUGS são oriundos do Serviço Militar Obrigatório (SMO). Para não se falar de vários outros casos noticiados na Comunicação Social, praticados por militares, destacando-se o crime perpetrado recentemente contra uma jovem de São Domingos, resultando na sua morte e tentativa de ocultação de cadáver por um ex-militar estragado pela tropa, segundo as palavras da mãe deste. Ainda no activo militar dizia que Cabo Verde só teria motivos para ter umas F.A (s) se essas mesmas F. A (s) fossem capazes de contribuir para a Educação Patriótica e Cívica dos jovens cabo-verdianos que entram para as suas fileiras no âmbito do cumprimento do SMO. Também disse na época que temos que ter umas F. A (s) capazes de formar não só "bons soldados", mas também "bons cidadãos". Ou seja, bons patriotas. Que não vão à Tropa aprender a técnica militar para depois do término do SMO empregarem contra cidadãos indefesos. Em face da actual situação, ninguém melhor que os actuais responsáveis das F. A (s) de Cabo Verde para responder à sociedade cabo-verdiana "o que é que não bate certo". Pois, alguma coisa não vem batendo certo. Entretanto, para acções futuras, recomenda-se como uma das soluções para os imbricados fenómenos, uma profunda reformulação do SMO, de forma a permitir que os jovens cabo-verdianos terminem o serviço militar como "bons cidadãos", em vez de "bons operários", deixando esta segunda tarefa para instituições afins.
Sabe-se que o único avião de que dispõe as FA não funciona há vários anos, assim como o único barco com capacidade para fazer a fiscalização na nossa zona económica exclusiva não funciona também há vários anos, apesar dos milhares de contos investidos na recuperação dos dois meios. Que comentário?
Vê-se que o Expresso das Ilhas está muito bem informado a esse respeito. No meu livro: "GANÂNCIA & PODER E CIDADANIA (de costas voltadas)", editado em Julho de 2009, falei largamente sobre esse assunto. Assim sendo, recomendo às pessoas interessadas a lerem o livro, grande parte dele dedicado à Defesa e Segurança de Cabo Verde. Até porque, factos são factos. Gastou-se milhares de contos do erário público com a reparação desses dois aparelhos, todavia não funcionam e ninguém é responsabilizado. Enquanto isso, o N/M "Vigilante" encontra-se ancorado já lá vão mais de dez anos, o avião "Dornier" estacionado da placa, não se sabe se à espera de um motor, radar, piloto ou GPS, e os mares de Cabo Verde à mercê do crime organizado. Essa é que é realidade. Essa é que deve preocupar, porque o resto é tudo propaganda política, numa instituição que devia ser despolitizada.
Como caracteriza a capacidade operacional do nosso exército?
Por se tratar de matéria que deve ser classificado como segredo de Estado, penso que não deve ser revelada para o público. Por outro lado, não sou a pessoa indicada neste momento para responder à pergunta por se referir a um assunto que só pode ser respondido por aqueles que estão à frente das F. A. (s) neste momento.
Todavia, é meu desejo sincero que as Forças Armadas do meu país estejam à altura das suas responsabilidades, não obstante os aspectos - políticos - menos bons por mim apontados.
Como vê a participação militar das FA a nível da CEDEAO?
Desde que seja para treino conjunto com as suas congéneres ou missão de paz da ONU e da União Africana, após prévio acordo entre as partes beligerantes. O exército de Cabo Verde não pode aspirar a outras intervenções a nível da sua sub-região. Não tem capacidade de resposta nem está vocacionado para outras operações.
Será que a África constitui um parceiro estratégico para a questão da defesa da soberania de Cabo Verde?
Neste momento não constitui. Mas devia. Cabo Verde continua em África, mas afastado dela. Aliás, como alguém disse algures, em caso de aflição os primeiros a acudirmos são os nossos vizinhos. Por outro lado, acredita-se que Cabo Verde não deve aspirar a outros espaços geopolíticos, se continuar gravitar fora da órbita do seu próprio espaço geopolítico.
Como vê a participação das mulheres nas F.A. sem que sejam criadas condições legais, psicológicas e outras próprias da condição feminina?
Como exemplo acabado do modo como a actual Ministra da Defesa utiliza as Forças Armadas para, imprudentemente, fazer a propaganda política sob a mascara da equidade do género. É só perguntar qual é o critério usado na escolha dessas mulheres, quem já entrou para as F.A.(s), porque uns sim e outros não, para se concluir sobre o que atrás ficou dito.
Como prevê a evolução das Forças Armadas cabo-verdianas no quadro da globalização?
O maior desafio a se enfrentar nos próximos tempos a nível planetário é o da segurança interna dos respectivos países do Globo, independentemente do ponto onde se encontram, ideologia e religião que professam ou nível de desenvolvimento que já atingiram. Assim sendo, recomenda-se às autoridades, cabo-verdianas, sem excepções, a não continuarem a utilizar a Globalização como expressão para se enfeitar os discursos políticos, deixando de fazer o respectivo trabalho de casa em matéria de segurança interna. Ou seja, a primeira coisa que Cabo Verde deve esperar no que tange a um Mundo Global Seguro, é não permitir que o seu território seja transformado num paraíso fiscal, refúgio para criminosos internacionais, interposto de tráfico de droga mundial, casa de câmbio de moedas falsas, abrigo para contrabandistas e espiões internacionais e base do terrorismo internacional. Fazendo isso, estará certamente a dar uma grande contribuição para a segurança do Mundo Global. Afinal, Cabo Verde é tão útil para o Mundo como o Mundo é útil para Cabo Verde. Para tanto, antes de pretender ser uma "civilização" tem de se afirmar como uma "nação". Para concluir que Cabo Verde não pode continuar por mais tempo, arriscando a sua segurança interna, apostando irreflectidamente numas forças armadas de tipo clássico aquarteladas à espera da guerra; sem as condições para o defender contra agressão externa, inadequada para garantir a segurança interna. Nestes termos, prevejo que o País vai sentir obrigado a mudar o seu conceito de Defesa Nacional, de modo a por todo o potencial das suas forças armadas ao serviço da segurança interna, criando uma polícia nacional militarizada, formada, treinada, equipada e moralizada para o efeito, em que a sua Guarda Costeira teria um papel mais condigno com as reais necessidades do País. É uma questão de tempo, não obstante a birra, a casmurrice, a falta de visão do Mundo, os interesses obscuros e os projectos de poder pessoal que vêm envolvendo a Instituição Militar cabo-verdiana.
Do Jornal
Expresso das ilhas
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